sábado, 31 de janeiro de 2009

Vem, Chuva, Vem

Vem, Chuva, Vem
Molhar os meus sentidos
Ressentidos da poluição

Vem, Chuva, Vem
Leva-me do peito a saudade
E a solidão

Vem, Chuva, Vem
Lavar os meus cabelos
E os dedos amarelos do fumo

Vem, Chuva, Vem
Encher a maré
Dar movimento a este barco sem rumo

Haja o que houver
A chuva não há-de acabar
E seja lá como for
Este velho Mundo continua a girar

Vem, Chuva, Vem
Molhar os meus sentidos
Ressentidos da poluição

Vem, Chuva, Vem
Leva-me do peito a saudade
E a solidão

Vem, Chuva, Vem
Lavar os meus cabelos
E os dedos amarelos do fumo

Vem, Chuva, Vem
Encher a maré
Dar movimento a este barco sem rumo

Espaços sem fim
Mudanças na palma da mão
Para alguns é fácil voar, é
Outros, por mais que tentem, nunca saem do chão

Vem, Chuva, Vem
Molhar os meus sentidos
Ressentidos da poluição

Vem, Chuva, Vem
Leva-me do peito a saudade
E a solidão

Vem, Chuva, Vem
Lavar os cabelos
E os dedos amarelos do fumo

Vem, Chuva, Vem

Encher a maré
Dar movimento a este barco sem rumo



in Acto Contínuo (1982)

sábado, 24 de janeiro de 2009

Rua Nova da Alfândega

"Esta rua podia chamar-se " Rua da Poesia"
As palavras de Cesariny ou de Eugénio de Andrade dão o mote a uma artéria onde há bares, restaurantes, artesanato português e muita cultura despretensiosa.
Não se sabe bem como, mas o vírus da poesia parece ter contagiado toda a Rua Nova da Alfândega. Senão, vejamos: aqui temos o Clube Literário do Porto, onde há vários eventos ligados à arte de fazer versos, e as noites poéticas do bar Púcaros e do Clube das Avós. Para além disso, o café Porto Rosa e a loja de artesanato português Coração Habitado devem pelo menos o nome à poesia. Antes que o portuense mais atento comece a abanar a cabeça com um ar reprovador, assumimos a batota: neste texto, "anexamos" a Rua de Miragaia e o Largo da Alfândega. Não nos parece nada disparatado: foi a abertura da Rua Nova da Alfândega (entre 1869 e 1871), necessária para a ligação do edifício ao centro da cidade, que desenhou a actual configuração da Rua de Miragaia. Agora, é uma espécie de cave, amparada por um muro e dividida a meio pelo Largo da Alfândega.
A área geográfica aqui abordada, dividida entre as freguesias de São Nicolau e de Miragaia, é uma das mais rústicas da cidade e mantém um ambiente de bairro. "Ainda se ouvem as mães à janela a chamar os miúdos", nota Maria Inês Castanheira, programadora do Clube Literário do Porto. São esses mesmos miúdos que andam pendurados no eléctrico da Linha 1 - "o condutor até pára o veículo para lhes ralhar" - e que descem a vizinha Rua do Comércio do Porto de bicicleta, a alta velocidade, sem muita preocupação pelos transeuntes. Jorge Andrade, proprietário do atelier de escultura e cerâmica Arcos de Miragaia, prefere destacar que os habitantes são "pobres, mas solidários". No seu espaço, recebe crianças da zona ou dos problemáticos bairros do Aleixo e do Lagarteiro, especialmente durante o Verão, e também vende as suas obras, a partir de 10 euros. Até 2001, Jorge Andrade nunca tinha modelado uma única peça, mas um curso desenvolvido no âmbito da extinta Fundação para o Desenvolvimento da Zona Histórica do Porto despertou-lhe a curiosidade. No entanto, confessa que é o único dos 16 alunos, com "problemas de droga e marginalidade", que "sobreviveu" com os ensinamentos daí retirados. As suas curiosas e despretensiosas criações justificam uma visita.

A tertúlia mais antiga

Mas retomemos o tema principal, a poesia, pelo exemplo do Clube Literário do Porto. Pertença da Fundação Luís Araújo, e inaugurado em 2005, este é um espaço multifuncional que combina livraria, piano-bar, duas galerias, auditório e uma agenda cultural diversificada e de entrada gratuita. Às sextas e sábados à noite, há música clássica ou jazz e os eventos poéticos permanentes são mensais: a tertúlia Quartas mal ditas, na última semana de cada mês, e Poesia de choque. Nestes eventos, cruzam-se alguns dos nomes que fazem a mais famosa noite de poesia do Porto: é no bar Púcaros, nas arcadas da Rua de Miragaia, e dá-se religiosamente às quartas-feiras, depois do toque de uma sineta, para lá das 23h00. De acordo com o proprietário, Carlos Pinto, trata-se da "tertúlia poética ininterrupta mais antiga da cidade", levando já 12 anos. Os novatos que queiram declamar são sempre bem-vindos. Para ajudar a descontrair, o ex libris é a sangria, servida nos púcaros que dão o nome à casa. Para terminar, há o Clube das Avós, que na primeira sexta-feira de cada mês organiza sessões de poesia, na Junta de Freguesia de São Nicolau. O evento é aberto ao público em geral.
Mas a torrente poética não acaba aqui. O café Porto Rosa, no Largo da Alfândega, tem nos vidros dois dos versos mais famosos de Mário Cesariny: "Queria de ti um país de bondade e de bruma/ queria de ti o mar de uma rosa de espuma". Lá dentro, há serviço de cafetaria e pratos do dia, com alguma sofisticação, ao almoço. Perto do Clube Literário, temos a Corações Habitados, designação inspirada no poema Coração Habitado, de Eugénio de Andrade. A proprietária, Isabel Dores, fez uma pesquisa por todo o país, em busca de objectos de artesão portugueses, desde os tradicionais aos mais urbanos. Aqui há livros, produtos gourmet, vestuário e sabonetes da Ach. Brito ou Confiança.
O Rádio Bar é uma alternativa no capítulo da noite. É um sítio pequeno, com paredes de pedra, calmo durante a semana, animado e mais electrónico nas noites de sexta-feira e sábado. O Giroflée, no número 1 da rua, é o espaço de restauração mais requintado das redondezas, sem ter um preço exorbitante (uma média de 20 euros por pessoa). A cozinha é de raiz portuguesa, mas com uma apresentação contemporânea. Se estiver numa de tapas, o La Pausa, uns passos à frente, é mais económico.
Falta falar do edifício que dá o nome à rua: a Alfandega Nova, construída sobre estacaria no antigo areal de Miragaia, e inaugurada em 1869. Em 1993, foi restaurada para instalar o Museu dos Transportes e Comunicações, de acordo com um projecto do arquitecto Souto Moura. Por 3 euros, é possível visitar duas exposições permanentes (O Automóvel no Espaço e no Tempo e o Museu das Alfândegas) e a temporária Duas Arquitecturas Alemãs: 1949-1989, até 5 de Fevereiro. Aqui também há uma bela e pouco conhecida biblioteca, onde é possível estudar com o rio Douro como pano de fundo."
Artigo de João Pedro Barros, in Público

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

sábado, 17 de janeiro de 2009

Rua Adolfo Casais Monteiro

"O espírito da Rua Miguel Bombarda está a alastrar para uma das perpendiculares.
A loja/atelier de Nuno Gama é a nova "estrela" da Rua Adolfo Casais Monteiro, onde têm nascido novos espaços de comércio. Mas nesta viagem também olhámos para o passado.

Numa cidade, os efeitos de contágio são frequentes. De forma virtuosa ou viciosa, hábitos, actividades e camadas sociais vão ocupando certas zonas do espaço urbano, espalhando-se como um vírus. É isto que está a acontecer na Rua Adolfo Casais Monteiro: a proximidade com as galerias de arte e as lojas de comércio alternativo da Rua Miguel Bombarda, que a cruza, tem alterado a face da artéria. Curiosamente, o escritor portuense Adolfo Casais Monteiro (1908-1972) nasceu precisamente em Miguel Bombarda, numa casa com um jardim ligado ao arruamento que viria a ter o seu nome (era então a Rua do Pombal).
Nos últimos anos, esta rua parece ter recuperado alguns habitantes, especialmente jovens. Uma das pessoas que nos ajudaram a perceber esta evolução reside aqui há 37 anos, e sempre viveu nas imediações. Adosinda de Sousa é uma das proprietárias da Da Vinci, uma loja de molduras que ocupa o espaço do antigo bar Aria, e onde pinturas de diferentes estilos ocupam agora as paredes. Hoje, com 59 anos, confirma que a maior parte dos seus vizinhos são jovens, mas lembra-se da rua, na sua infância, como uma zona habitacional de "gente humilde". Mas a recordação mais forte é da Padaria Independente, cujo grande letreiro em azulejo ainda se mantém. "O pão era uma delícia, dos melhores do Porto. Por alturas do São João, a vizinhança ia até lá com a sua assadeira em barro, para meter o cabrito com batata no forno. Parece que ainda sinto o cheiro", descreve.Voltemos ao presente pela porta da antiga Padaria Independente, que é agora um dos pólos ocupados pela Galeria Fernando Santos, uma das pioneiras na Miguel Bombarda. Mesmo ao lado, foi inaugurada em Setembro a loja e atelier do estilista Nuno Gama, que anteriormente estava estabelecido na Foz. A mudança trouxe-lhe mais espaço, mas também lhe permitiu integrar as vertentes criativa e comercial num ambiente "mais intimista", desenhado pelo arquitecto Rodrigo Patrício, explicou o criador ao PÚBLICO. O estabelecimento foi notícia, em Dezembro, por ter sido alvo de um assalto que levou cerca de 200 peças, incluindo a colecção Outono/Inverno 2008. Mais de um mês depois, a loja está recomposta. Uns passos ao lado, na esquina com a Rua Miguel Bombarda, vai nascer a nova loja/atelier do decorador Miguel Costa Cabral.
O único restaurante da rua, inaugurado em 2006, é o Artemísia (um género de plantas a que pertence o absinto ou o estragão), que também funciona como café e bar. O interior, concebido pela arquitecta Ana Costa, denuncia desde logo que se trata de um local requintado: o espaço tem uma forma irregular, e é dominado por tons castanhos. Há sofás e mesas espaçosas, que lhe conferem um ambiente caseiro. Numa das paredes, alguns nichos albergam obras cedidas pela loja de artesanato urbano Águas Furtadas, que se situa no Centro Comercial Bombarda. Uma refeição média ronda os 30 euros, mas o almoço pode ser bem mais económico, já que há três menus executivo, entre os 6,5 e os 13,5 euros. As ervas aromáticas e as especiarias desempenham um papel fundamental na oferta da casa, que tem uma carta variada, com carne, peixe, pratos vegetarianos, massas e risottos. Provámos o tiramisu e podemos recomendá-lo vivamente para a sobremesa.
Música alternativa
De barriga cheia, podemos seguir para a zona da artéria que fica mais perto da Rua D. Manuel II. É aqui, no número 71, que está a nossa sugestão para tomar um copo: o Lobby. Trata-se de um café-bar acolhedor, que até há algumas semanas estava aberto durante a tarde, mas que restringiu o seu horário de funcionamento ao período 21h-2h. A música tem um cariz consideravelmente alternativo, e nas traseiras há um belo pátio, aberto quando as condições climatéricas assim o permitem. No número 63 fica um dos estabelecimentos que nos fazem perceber porque é que Nuno Gama diz que quem se desloca a esta rua procura "alternativas ao déjà vu da cidade": o hair designer Freaks é um dos locais mais famosos do Porto para quem pretende mudar de visual. "A nossa filosofia é fazer um corte bom, que dure, que possa ser mantido em casa. Nós não alteramos a textura dos cabelos", explica o proprietário, Francisco Carvalho. No mesmo edifício, está a loja da marca afilhadedeus, um projecto de vestuário e acessórios fundado por dois artistas plásticos portugueses com formação em pintura, Catarina Enes e Bruno Alves. Todas as peças são únicas ou séries limitadas.
A última sugestão que deixamos é a loja da Cruz Vermelha Portuguesa, no número 37. Trata-se de um bom local para encontrar pechinchas, já que a maioria dos produtos (roupa, sapatos, brinquedos ou loiças) é em segunda-mão. Para além disso, qualquer compra é uma forma de ajudar a instituição humanitária."
Artigo de João Pedro Barros, in Público

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Jorge Palma - Cantiga do Zé

O Zé não sabe onde pôr as mãos
E está farto de as ter no ar
Não teve sorte com os padrinhos
Nem tem jeito para roubar

O Zé podia arranjar emprego
E matar-se a trabalhar
Mas olha em volta e o que vê
Não o pode entusiasmar

E a cidade cá está para o entreter
Indiferente e fria, disposta a esquecer
Que a ansiedade é um minotauro
Que se alimenta de solidão
E que a ternura é uma bruxa
Que faz milagres
Se a mente a deixar ser

O Zé está vivo e é das tais pessoas
Que sentem prazer em rir
Mas tenho visto ultimamente
Esse gosto diminuir

O Zé experimenta um certo vazio
Comum a uma geração
Que despertou da adolescência
Com "vivas" à revolução

E a cidade cá está para o entreter
Indiferente e fria, disposta a esquecer
Que a ansiedade é um minotauro
Que se alimenta de solidão
E que a ternura é uma bruxa
Que faz milagres
Se a mente a deixar ser

in Asas e Penas (1984)

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009