terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Tom Waits - Train Song

Lembro-me perfeitamente do momento em que ouvi esta música pela primeira vez, há uns 15/16 anos atrás e a partir daí ficou impregnado o gosto pela música de Tom Waits.
Esta é uma das poucas músicas que me faz reflectir, sonhar, parar, relembrar, perspectivar, sempre que a ouço.

Well I broke down in E. St. Louis
On the Kansas City line
and I drunk up all my money
that I borrowed every time
and I fell down at the derby
and now the night's black as a crow
It was a train that took me away from here
but a train can't bring me home
What made my dreams so hollow
was standing at the depot
with a steeple full of swallows
that could never ring the bell
and I come ten thousand miles away
with not one thing to show
well it was a train that took me away from here
but a train can't bring me home
I remember when I left
without bothering to pack
you know I up and left with
just the clothes I had on my back
now I'm sorry for what I've done
and I'm out here on my own
well it was a train that took me away from here
but a train can't bring me home

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Travessa de Cedofeita

"A ruela esquecida da Baixa que se tornou num novo centro nocturno do Porto

Se ainda não ouviu falar do 77, é provável que não saia à noite no Porto. O café revolucionou a Travessa de Cedofeita, onde também está a Casa de Ló, sucessora da Casa Margaridense

À primeira vista, não há nada de particularmente recomendável na Travessa de Cedofeita, que liga a Rua de Cedofeita ao Largo Alberto Pimentel: o arruamento é estreito e sombrio, o empedrado está gasto, os passeios são irregulares e as paredes estão pejadas de graffiti anárquicos e outras pinturas. No entanto, com um olhar mais atento, é possível descobrir várias pérolas no arruamento. Ironicamente, pode começar-se pelas paredes: a sua análise pode dar origem a um verdadeiro estudo de semiótica (a disciplina que estuda a significação). E não é que encontramos mesmo uma análise na Internet? O texto, da autoria de António Preto, fala numa "exposição colectiva", repleta de sinais contestários. A título de exemplo, aqui fica uma das mensagens: "Procura-se/ Outro/ Ronaldo/ Templário/ Urrando/ Golos/ Acalmando/ Lobbies". Juntando as iniciais, lê-se "Portugal".
Porém, aquilo que mais transformou a travessa nos últimos dois anos foi um café que, à primeira vista, também passaria despercebido. À porta do Espaço 77, em qualquer noite de quinta-feira a sábado, concentram-se pequenas multidões (na rua passam poucos automóveis), geralmente com uma bebida na mão. Aqui há cervejas "minis" a 50 cêntimos, shots a um euro, baldes de cerveja de diferentes tamanhos entre um e quatro euros, panikes entre 90 cêntimos e 1,5 euros. A esplanada que os proprietários resolveram abrir nas traseiras, mesmo a tempo da entrada em vigor da Lei do Tabaco, também foi um golpe certeiro, e o Espaço 77 transformou-se numa espécie de "lado b" do Piolho, na Praça de Parada Leitão.
Mesmo ao lado do 77, a Casa de Ló é a mais recente novidade da artéria. Surgiu no espaço da mítica Casa Margaridense (fundada em 1880 e encerrada em 2007), famosa pelo seu pão-de-ló, marmelada e geleias, e juntou a componente de café-bar à venda destas iguarias (os chocolates, vinhos do Douro, livros e bolachas são uma novidade), preservando a traça original da loja. Na zona onde se confeccionavam os produtos está agora o salão de chá/bar (onde também se servem refeições ligeiras), animado por DJ convidados e concertos (o primeiro foi na sexta-feira) nas noites de fim-de-semana. Um pouco mais próximo da Rua de Cedofeita, o Mezopotamya fecha este mini-cluster com ligações à noite da Baixa. É um espaço dedicado ao döner kebab (o prato nacional turco, feito de carne assada num espeto vertical), onde a movida conforta a barriga durante a noite (está aberto todos os dias, das 19h às 2h). Aqui, é servido em duas variantes: sandes (por 2,90 euros) e rolo (3,50 euros).
Mas a Travessa de Cedofeita não é só feita de coisas novas: há habitantes mais antigos que resistem e até circulou um abaixo-assinado para tentar travar o barulho nocturno. Artur Ribeiro Taquinho, o "mais antigo adeleiro do Porto", instalado no número 46, não o assinou, porque "gosta da animação". O comerciante está há mais de 60 anos na rua (tem hoje 85 anos) e a sua história foi-nos contada pela filha Maria de Fátima Almeida e pelo genro José Carlos Almeida, agora à frente de um negócio em crise, porque as melhores peças "ficam para os leilões". Ainda assim, há mobiliário de todo o tipo e para várias bolsas no interior da loja, que é complementada pela arte sacra e decorativa de José dos Santos Galante, mesmo em frente.
Há mais. Por exemplo, a livraria Lumière, no número 64, compra e vende livros usados, mas também discos de vinil, banda desenhada e cadernetas de cromos antigos. Literatura portuguesa, história, teatro e poesia são as especialidades. A Blow Up Market é um bom local para encontrar roupas e acessórios em segunda mão. Na Goodvibes encontra-se vestuário, calçado e acessórios de cariz urbano e alternativo, de marcas como a própria Goodvibes (em exclusivo) e Gola. A Collectus é uma loja de colecções que tem sempre montras apelativas à vista, com moedas, notas, postais, selos, calendários, vinis e cartazes antigos. Uma viagem nesta artéria nunca poderia ficar completa sem referir a Love shop 68+1, na esquina com a Rua das Oliveiras. Chama-se Love shop porque a proprietária, Sónia Maia, aposta mais na vertente lúdica: aqui há lingerie comestível, artigos bondage e vibradores, mas não há filmes pornográficos. No seu lugar, estão muitos jogos de cariz erótico."

Artigo de João Pedro Barros, in Público

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Final Fantasy



Desde há muito me habituei a ler e ouvir as opiniões musicais do Nuno Galopim, e de facto raramente me desiludo.
Há uns anos, num debate na Feira do Livro do Porto, com a presença de Sérgio Godinho, Jorge Palma, Álvaro Costa e Nuno Galopim, lá para o final, citou este nome, Final Fantasy, violinista dos Arcade Fire. Passado uns tempos, pude confirmar a beleza da música deste intérprete num concerto na Casa das Artes de Famalicão com a sua "orquestra de câmara" a partir de um só violino...fabuloso.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Rua das Flores

"Ourives, alfarrabistas e berbequins na mais tripeira das ruas do Porto

Na Rua das Flores, outrora famosa pelas ourivesarias e lojas de têxteis, é a reabilitação urbana promovida pela Porto Vivo que hoje chama a atenção. Uma rua à procura de residentes.

A Não conseguimos descobrir como nasceu o epíteto, mas é um facto que chamam à Rua das Flores "a mais tripeira das ruas do Porto". É provável que esta alcunha tenha sido inspirada pelos notáveis edifícios dos séculos XVI e seguintes que a dominam e que dão um forte argumento aos defensores de uma artéria pedonal. Isto porque quem a percorre com olhos de ver tem de se deter no meio da faixa de rodagem para apreciar as varandas, os trabalhos em ferro forjado ou os vários exemplos de arte antiga que clamam por atenção. Mas, por estes dias, um passeio sossegado pode ser perturbado pelo barulho dos berbequins ou dos martelos, vindo dos edifícios que estão a ser intervencionados no âmbito dos projectos da sociedade de reabilitação urbana Porto Vivo. Foi nesta artéria, em 2006, que a entidade completou a sua primeira promoção própria, no edifício onde funcionava a Papelaria Reis e onde hoje está a Cidade das Profissões, que se dedica à informação e aconselhamento profissional. Seis T2 foram comercializados através de concurso, com grande procura. A esperança de que a Rua das Flores retome a sua raiz residencial passa por aqui.
Carlos Oliveira, de 78 anos, é um dos moradores que resistem: habita o mesmo prédio dos joalheiros Eduardo Carneiro, onde trabalha desde 1946. "Antigamente as casas estavam todos habitadas e geralmente os donos dos estabelecimentos moravam por cima", relembra. O portuense ainda viveu o período áureo daquela que foi considerada, desde meados do século XVII, como a "Rua dos Ourives" ou "Rua do Ouro" do Porto. Os estabelecimentos do género chegaram a ser mais de 20, mas, em 2009, o PÚBLICO contou apenas sete, que ainda assim oferecem um considerável leque de escolhas. Mas Carlos Oliveira ainda tem outras histórias: lembra-se dos carros de bois que subiam desde a Ribeira até à Praça de Almeida Garrett e das famílias que no final das tardes de domingo percorriam a rua com um sável na mão, vindo directamente do rio. A alfândega era o ponto de onde partia todo o comércio da cidade e a sua progressiva desactivação teve muita influência na perda de movimento da rua.
Mandada abrir pelo rei D. Manuel I, em 1518, e calcetada em 1542, a Rua das Flores (cujo perfil original está quase intacto) tornou-se desde logo numa das principais vias da cidade, razão pela qual muitos nobres e burgueses construíram aqui os seus palacetes. Podemos destacar alguns: a Casa dos Maias ou dos Ferrazes Bravos (números 31 a 39, onde deve surgir um hotel de charme, em 2010), a dos Cunhas Pimentéis (na esquina com o Largo de São Domingos) ou a Casa da Companhia (número 69). A Igreja da Misericórdia, actualmente encerrada para obras (poderá reabrir no Verão), é outro ponto de interesse: a sua fachada, em estilo barroco, é da autoria de Nicolau Nasoni, datando de meados do século XVIII. No edifício da Misericórdia do Porto pode visitar--se um pequeno núcleo museológico (por 1,5 euros), onde se destaca a pintura Fons Vitae, uma alegoria à fundação das misericórdias, de princípios do século XVI, em que figuram os membros da família real, no tempo de D. Manuel I. O cartaz cultural poderá ficar enriquecido com o Museu do Teatro de Marionetas do Porto, que vai funcionar no número 22 e onde devem ser exibidas 1200 peças. No final de Fevereiro ficam completas as obras do segundo piso, que vai ser aberto a visitas de estudo, mas falta financiamento para o resto da obra.

Alfarrabistas com história

Os alfarrabistas da Rua das Flores, Chaminé da Mota e João Soares, também são um bom motivo para uma visita. No primeiro, respira-se um ambiente solene (o facto de a Antena 2 ser a "rádio oficial" ajuda) e há uma série de antiguidades expostas, que incluem duas caixas de disco, de fabrico alemão, de finais do século XIX. Uma delas toca a Marselhesa, a outra A Internacional. O alfarrabista João Soares é mais descontraído: por exemplo, diz que a sua livraria (onde há muitas pechinchas) está organizada segundo uma "desordem ordenada". Era bancário, mas foi juntando tantos livros que percebeu que os podia vender num espaço próprio. Hoje está reformado e diz que não se importa de facturar "20 ou 30 euros por dia": "Os custos são baixos e estou aqui com boa música, no meio dos livros".Outro destaque da rua é a mercearia fina A Pérola da Índia, no número 220. Foi fundada em 1934, mas mudou bastante nos últimos anos, de forma a cativar o comprador de passagem e o turista que desce até à marginal do Douro. Agora, a aposta centra--se na garrafeira e em produtos como bacalhau, presunto ou alheiras, com qualidade e a preços competitivos. A Memórias, dedicada ao artesanato português e decoração, é um belo recanto cheio de bordados, cerâmica e azulejos vindos de todo o país. Para algo completamente diferente, também se pode encontrar roupa gótica e alternativa na Oblivion. De resto, há aqui várias lojas de vestuário e armazéns de tecidos, reminiscências do tempo em que a artéria era também o centro dos têxteis na cidade."

Artigo de João Pedro Barros, in Público

sábado, 14 de fevereiro de 2009

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Rua do Rosário

"O local onde o comércio tradicional convive pacificamente com propostas alternativas

Pode ver-se uma drogaria ou uma mercearia ao lado de uma casa de artigos japoneses e de uma loja de produtos biológicos. A variedade é apreciada por todos.

Até aos anos 80, período em que se acentuou a desertificação da Baixa do Porto, o perfil da Rua do Rosário era eminentemente residencial. Disso mesmo se lembra Fernando Ribeiro, hoje com 77 anos, 44 deles passados atrás do balcão da Drogaria Marília: "Antigamente, toda a gente queria um andar aqui e não conseguia. Hoje não faltam casas abandonadas", descreve. Porém, na presente década, têm vindo a surgir novos negócios nesta transversal da Rua Miguel Bombarda (a artéria das galerias de arte), maioritariamente conduzidos por jovens e com um espírito tendencialmente alternativo. O comércio tradicional (a mercearia, o sapateiro, a peixaria) que resistiu ao decréscimo populacional e à concorrência das grandes superfícies mantém uma relação de proximidade como os recentes vizinhos. "Espero que esta convivência não se perca, que seja esse o dinamismo futuro da rua", diz Ana Rita Cameira, do Muuda, um espaço multidisciplinar que se rege pelo tríptico arte, sabores e design.
Comecemos por aqui a nossa viagem. No Muuda há exposições de arte (até 28 de Fevereiro, André Magalhães expõe 315 desenhos A4), refeições (para grupos, através de reserva), workshops (no dia 18, a partir das 20h, há um de sushi), peças de estilistas como Nuno Baltazar e Katty Xiomara e diversas iniciativas. Uma delas é o Muuda de Mãos, destinada a quem quer vender artigos em segunda mão. Um pouco ao lado está a primeira loja japonesa da cidade, a Kuri Kuri (significa "que amoroso"). Quando abriu, em Novembro, circulava entre a vizinhança que era um sítio onde "se botavam cartas", mas, apesar da diversidade da oferta, não há aqui nada de místico. Há, isso sim, artigos para pessoas dos "oito aos 80 anos", como diz Ana Cancela, a proprietária: roupa, livros sobre sushi, papel para origami (a arte de dobrar papel), refrigerantes e cervejas, doces típicos e alguma manga (banda desenhada nipónica).
No número 177 temos o Quintal, uma loja e mercearia de produtos biológicos. O estabelecimento, onde já se vendem produtos de homeopatia, naturopatia, cosmética natural (sem químicos) e limpeza, vai ter frutas e legumes a breve prazo. Nas traseiras, há um agradável salão de chá e uma esplanada. Quem quiser conhecer este estilo de vida tem ao dispor revistas, livros e workshops regulares. Para outras leituras, desloque-se ao Gato Vadio, uma livraria com destaque para poesia, filosofia ou teatro que também é café-bar e local de eventos e sessões de cinema. Se politicamente se situa à direita, não chegue nem perto.
Na rua, também há um conjunto de lojas dedicadas a antiguidades e decoração. A mais recente, de Ana Gisela Cerqueira, é dedicada ao mobiliário dos anos 20 e 50 do século XX e à pintura contemporânea. Na Pedaços de Arte e na Né Arts desenvolvem-se projectos de interiores, algo que também acontece na FMO, loja/atelier de Fernando Marques de Oliveira, que dá ainda destaque às antiguidades e aos tecidos e papéis de parede. No número 147 está o atelier e show-room do Cirurgias Urbanas, empresa ligada à arquitectura, arboricultura, paisagismo e mobiliário.

Refeições em conta

O próximo parágrafo é dedicado à comida. Podemos começar por recomendar o Café Célia, no cruzamento com a Rua Miguel Bombarda: os pratos são bons e baratos (a partir dos 3 euros) e a decoração não deixa de ser cuidada (Roy Lichtenstein, Andy Warhol ou Keith Haring são presença nas paredes). O arroz de pato e a tarte alemã, para sobremesa, são os destaques. O Zé de Braga, uma casa familiar e centenária, onde um almoço completo pode rondar os cinco euros, é uma alternativa. Para algo mais sofisticado, temos o restaurante/bar/galeria de arte 110. Abre de manhã, disponibiliza menus completos ao almoço (por 7,5 euros) e vai até ao jantar, em que se servem tapas com base na cozinha portuguesa (exemplos: polvo com molho verde, rojões e costeletinhas de porco preto). Falemos também de potenciais pechinchas noutras áreas: na Just Girl há vestuário feminino entre 3,5 e 12,5 euros, dada a rebaixa por motivo de obras; no número 141, no segundo andar, há um stock off de decoração; na Momenti Rari, há prendas para convidados de comunhões, casamentos e baptizados, entre um e cinco euros.
Já perto do Hospital de Santo António fica a sede do Cineclube do Porto, com o seu museu e biblioteca de arte cinematográfica. O edifício tem uma longa história: aí esteve instalado o Hotel do Louvre, uma unidade de luxo que recebeu, em 1872, o Imperador do Brasil, D. Pedro II. Ainda no século XIX, albergou uma das primeiras clínicas particulares da cidade. Uma placa assinala um assalto da PIDE, polícia política do Estado Novo, à então sede da organização oposicionista MUD (Movimento de Unidade Democrática), em 1946. Estas são histórias do passado, mas no presente nem tudo é renovação: o estilista Pedro Mourão encerrou o seu atelier/loja na rua, porque "para comércio ela não dá". Os criadores que se mantêm ali vão indicar para que lado pende o futuro da rua."

Artigo de João Pedro Barros, in Público

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Incatalogável



Ora, nestes últimos meses larguíssimos tenho posto em prática a negação de mim mesmo ( a frase que mais tenho ouvido por quem me rodeia é " não te reconheço")..ou seja, sempre me dispersei por milhentas pequenas coisas como ir a concertos, teatro, estar com pessoas, ir ao café,ler q.b., procurar viajar muito pelos cantos e recantos que nos rodeiam, sempre com vontade de conhecer e aprender mais e mais.Tenho feito exactamente o contrário, salvo raríssimas excepções que na altura me sabem bem mas que não funcionam mesmo como factor para me fazer "acordar" novamente.
Após a última saída cá da terrinha até terras galegas em final de Agosto com a grande amiga M. não me pus mais ao caminho, mas com a certeza que algo agendado vinha por aí: a ida até Salamanca visitar a M., a mais recente habitante daquela cidade fantástica e a partir daí irmos dar umas voltas porreiras. Eis se não quando, dou por mim com a impossibilidade de ir até lá nos próximos tempos largos, e desta vez não por falta de vontade mas "traído" pelo meu belo pé em estado lastimoso!
Resumindo e concluindo, espero que esta impossibilidade me faça acordar de vez e quando voltar a estar "operacional" (o que não será tão cedo), não desperdiçar tempo fechado no bunker com um número infindável de experiências e momentos que fazem tudo valer a pena, lá fora à minha espera! (ou não!)

sábado, 7 de fevereiro de 2009

domingo, 1 de fevereiro de 2009

"Reaproveitar a história para dar identidade a novos negócios

A antiga Casa Margaridense é agora um espaço de lazer multiusos. Na Baixa, há vários antigos espaços de comércio e indústria com nova vida

Quando era criança, Sara Pinto era uma das muitas clientes da Casa Margaridense. Agora, aos 35 anos, lança-se na aventura de retomar parte do espírito que fez do espaço da Travessa da Cedofeita, no Porto, uma referência histórica no fabrico e venda de pão-de-ló e outras iguarias. O número 21 da travessa acolhe agora a Casa de Ló (a abertura oficial é na próxima quarta-feira), que recupera a antiga loja e junta-lhe uma cafetaria, salão de chá e um bar, para satisfação dos muitos curiosos que, durante as obras, espreitavam pelas janelas.
É o último caso de uma tendência recente e que promete continuar: a transformação de espaços com tradição na vida económica do Porto - fábricas, armazéns, livrarias - em sítios de lazer, com forte actividade nocturna. A precariedade laboral e a vontade de criar projectos pessoais são alguns dos motores do surgimento destes projectos. Foi assim também na Casa de Ló, cujas responsáveis quiseram "mudar de vida".
A tabuleta "Aluga-se" na porta da Margaridense, fundada em 1880 e encerrada em 2007, tornou mais fácil a decisão de Sara Pinto, que dá formação profissional, e da amiga e sócia Adriana Rocha. Procuravam um espaço para começar um negócio pessoal. "A nossa ideia teve que se adequar ao espaço. Esta loja tem uma vida própria", conta Adriana Rocha, de 46 anos, professora na Escola Artística Soares dos Reis, no Porto.
Sara e Adriana aplicaram as suas poupanças na recuperação do espaço. Mantiveram a loja quase intacta: estão lá os balcões, as prateleiras com os produtos tradicionais que popularizaram a casa (pão-de-ló, marmelada, geleia de marmelo, cavacas, suspiros, entre outros), o cofre onde se guardavam as medidas secretas de cada ingrediente. O pão-de-ló que popularizou a casa já não será produzido ali (nem nenhum dos produtos, aliás), mas virá de uma fábrica de Margaride, freguesia de Felgueiras de onde eram originários os primeiros proprietários da Margaridense.À tradição, Sara e Adriana juntaram novidades: chocolate, vinho, cadernos, livros e produtos de autor, uma esplanada nas traseiras (pedras do antigo forno são agora bancos), e, na zona onde antes laboravam os fornos a carqueja, noites com concertos e DJ, exposições, refeições ligeiras durante o dia e, possivelmente, projecções de filmes. Esta mistura entre o tradicional e o contemporâneo tem como objectivo "chegar a todas a idades" e tipos de pessoas, diz Sara Pinto. O horário da Casa de Ló, das 10h00 às 2h00, condiz com a estratégia.

O "regresso" dos armazéns

A tendência de transformar espaços antigos da Baixa em locais de lazer está intimamente ligada à dinâmica que esta zona tem apresentado nos últimos anos, sobretudo à noite. Depois da abertura de bares pioneiros, como o Passos Manuel, o Maus Hábitos e o Café Lusitano, um conjunto de novos empresários apostou na Baixa para instalar os seus negócios. Boa parte dos espaços mantém a traça arquitectónica e parte da imagem antiga dos espaços, construindo a sua identidade a partir desse passado. Segundo disseram vários empresários do sector ao PÚBLICO, há já projectos para novos estabelecimentos com características semelhantes.
As ruas da Galeria de Paris e Cândido dos Reis, outrora conhecidas pelos seus amplos armazéns de tecidos, são o centro da nova vida boémia da cidade. O restaurante e bar Galeria de Paris e o Plano B, situados nessas ruas, aproveitaram antigos armazéns. Não muito longe dali, na Rua de José Falcão, dois café-bares - o Café Lusitano e o Armazém do Chá - ocupam, respectivamente, os espaços que pertenceram a um armazém de moagens do início do século passado e um outro de torrefacção de chá.
Trata-se de "usar o passado para construir o futuro", diz Filipe Teixeira, um dos responsáveis pelo bar Plano B, aberto em Dezembro de 2006. Procuravam um espaço nas redondezas da Torre dos Clérigos e encontraram um edifício de 1909, "versátil", com "carácter" e com o bónus de ter sido desenhado pelo importante arquitecto portuense José Marques da Silva (responsável, por exemplo, pelo desenho da Estação de S. Bento e o Teatro Nacional São João), por encomenda do conde de Vizela. "Estava em mau estado, com o soalho e as escadas podres", recorda. Ninguém diria, mas "era muito fácil voltar a parecer um armazém".
José Pedro Maia e Pedro Trindade, da Casa do Livro, na Rua da Galeria de Paris, descobriram o espaço ideal para o bar que abriram em Junho de 2007. Já idealizavam um sítio com uma presença forte dos livros; o que não sabiam era que ali tinha funcionado uma livraria. "Chamava-se precisamente Casa do Livro. Mal se lia o nome na fachada", recorda José Pedro Maia. Acabaram por adoptar o nome e a escolha faz todo o sentido: nas paredes, há centenas de livros, em sintonia com o ambiente intimista do bar, que abre ao final da tarde.
Manter um espaço com estas características "dá muito trabalho, mas faz-se tudo com prazer", diz David Castro, gerente do Lusitano, um recatado café com serviço de catering durante o dia e um bar à noite, que se assume como gay-friendly. Quando abriu, há quatro anos, o antigo armazém, que estava desactivado há dez anos, "foi inteiramente recuperado", com algumas adaptações à nova função.
Do outro lado da rua, no Armazém do Chá, aberto em Abril de 2008, ainda se encontra cerca de uma tonelada e meia de folhas de chá, distribuída por sacos de serapilheira, sinal de um passado não muito longínquo com funções muito distantes das actuais. O espaço, com 700 metros quadrados, não foi a primeira opção de Rui Silva e Sérgio Ribeiro (queriam montar um bar que apostasse no vinho a copo e com uma agenda de concertos muito preenchida), mas a sua história acabou por modificar um pouco a ementa do espaço, que conta com diversos chás. "Vendemos muito chá à noite. Até eu fico surpreendido", diz Rui Silva. Para José Pedro Maia, da Casa do Livro, estas opções revelam "inteligência" por parte dos empresários: "Há espaços lindíssimos. É uma tendência natural pela Europa fora. Só não era no Porto."
Segundo o arquitecto Nuno Grande, as obras de requalificação transformaram as ruas em espaços mais atractivos."
Artigo de Pedro Rios, in Público