segunda-feira, 25 de maio de 2009

Rua do Almada


"Passou a moda, mas ficou muita música


A antiga rua do comércio de ferragens renovou-se com o aparecimento de várias lojas alternativas e dedicadas à cultura urbana. Porém, o processo tem sofrido alguma estagnação.

"A Rua do Almada já não é o que era." Eis uma frase que ouvimos aos comerciantes tradicionais, maioritariamente dedicados às ferragens e afins, e aos jovens que aqui abriram negócios alternativos nos últimos anos que coexistem saudavelmente, e em complementaridade com os espaços mais antigos. Obviamente, os lojistas mais recentes proferem aquela frase com um sentido diferente: depois da moda da Rua do Almada ter atingido o auge há três anos, com a abertura de vários espaços, a agitação abrandou. Por exemplo, fechou o Espaço 555, que funcionava primordialmente como galeria de arte e cafetaria. Até a atenção da comunicação social diminuiu. "Houve uma altura em que vinham fazer reportagens quase todos os dias", disse-nos Mariana Faria, da Zona 6, o único local do país onde se pode gravar vinil à unidade, a partir de um suporte digital.
No entanto, o clima não é depressivo, porque ainda acontecem aqui muitas coisas, especialmente no campo da música. Nesta artéria há quatro lojas de discos e dois estabelecimentos (Casa Guimarães e Castanheira) dedicados aos instrumentos musicais, que convertem a rua num centro inevitável para os melómanos e artistas da cidade.
De resto, a Rua do Almada sempre teve um cunho progressista: o seu nome deve-se a João de Almada e Melo, governador do Porto que liderou uma revolução urbanística durante o século XVIII. Após a sua morte, em Outubro de 1786, o seu filho Francisco de Almada tomaria as rédeas, prosseguindo a modernização.
Os Almadas foram responsáveis pelo primeiro arranjo urbanístico e viário da cidade e pela sua expansão para norte, na qual se inseriu a Rua do Almada. A artéria, que surgiu como continuação da anterior Rua das Hortas e começou a ser construída em 1761, é considerada a primeira grande rua aberta fora das muralhas. Tornou-se depois centro de comércio e lugar de habitação de famílias aristocráticas, tendo nela vivido Ana Plácido, a mulher que levou Camilo Castelo Branco à prisão.
No presente, a história da rua também é a história de Miguel Barbosa, que a conhece desde miúdo, quando vinha "comprar ferragens". Muitos anos depois de ter começado a desenhar e construir peças em acrílico, criou aqui o seu atelier e elogia o "espírito de aldeia" reinante entre vizinhos.
Comecemos uma visita guiada no sentido ascendente, da Rua dos Clérigos até à Praça da República. No número 63 está, desde a década de 1940, a fábrica da confeitaria Arcádia. Na sua entrada funciona uma loja onde as amêndoas de várias formas e feitios e as clássicas línguas de gato de chocolate são dois ex-líbris. Mais acima está o supermercado Troika, que vende vários produtos do leste da Europa, desde conservas ate matrioskas, as tradicionais bonecas russas.

O império do vinil

Quase em frente está a loja de discos Louie Louie, que divide o espaço com a Embaixada Lomográfica. Num antigo local de trabalho de ferreiros - onde ainda funciona um carrinho que se move sobre carris, entre as traseiras e a porta da loja -, misturam-se as exposições fotográficas e a música. Os CD usados e em nice price (entre 5 e 10 euros) são a maior aposta, ao lado do vinil, formato em que a Louie Louie disponibiliza as últimas novidades.
O vinil, cuja importância tem vindo a ressurgir, é uma das marcas da artéria. O expoente máximo é a Zona 6, que funciona ainda como loja de discos (focando-se no drum & bass, dubstep e reggae) e de equipamento e acessórios para DJ. A Lost Underground é outra alternativa onde o suporte vinil tem bastante peso. Aqui também se compram e vendem artigos usados, sendo que os géneros mais representados, no âmbito de um catálogo generalista, são o metal, o punk e o rock & roll. Já perto da Praça da República, a Retroparadise tem uma extensa oferta, exclusivamente em vinil, focando-se no soul, funk e jazz dos anos 60 e 70. A principal área de negócio era a roupa em segunda mão, mas agora só é possível visitar o armazém por marcação. Em jeito telegráfico, refira-se a Maria Vai com as Outras (com exposições, eventos, livros e artesanato), a Casa Almada (dedicada a móveis, iluminação e objectos de design dos anos 1950-70, mas também com roupa e acessórios no piso superior) e as francesinhas do Café Pontual, das mais elogiadas da cidade.
Dissemos que não têm aberto muitos estabelecimentos nos últimos tempos, mas há pelo menos uma novidade: a Retrato do Que Vejo, no número 415, tem cerca de quatro meses. Aqui encontra-se artesanato urbano - por exemplo, bonecas de trapo - e vestuário diversificado. Mais uma prova de que há muito para descobrir na artéria é o evento Alma da Rua, que se realizou pela primeira vez no ano passado e que terá nova edição a 20 de Junho. Durante esse dia, as lojas ditas modernas mantêm-se abertas entre as 12h e as 24h, com promoções e actividades culturais."

Artigo de João Pedro Barros in Público

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