domingo, 30 de novembro de 2008

Rua de Passos Manuel


"A tradição e a vanguarda lado a lado naquela que já não é só "a rua do ColiseuA Rua de Passos Manuel tem boémia e algumas das propostas culturais mais arrojadas do Porto, mas também há francesinhas e tartes de maçã à moda das nossas avós.


A Manuel da Silva Passos, ou Passos Manuel, é conhecido como um herói liberal, ligado à facção mais radical da revolução que mudou o país no século XIX. Porém, o político nascido em Guifões também revelou uma grande tendência para o consenso, na sua acção parlamentar e governativa. Na rua a que deu nome, e que começou a ser aberta em 1874, também convivem, em grande harmonia, conceitos tradicionais e vanguardistas. Aqui há lojas e restaurantes cheios de história, mas também locais de cultura e diversão que primam pelo cosmopolitismo.
Comecemos precisamente pela cultura, e pela referência obrigatória que é o Coliseu do Porto. Salvo, em 1995, de ser sala de culto da Igreja Universal do Reino de Deus, o espaço, com marcas de Art Déco, é actualmente um lugar de acolhimento de espectáculos, sem grande critério artístico. Por isso, as notícias de vanguardismo vêm de outros locais. Em 2001, abriu o Maus Hábitos, um café-bar e espaço de intervenção cultural, mesmo em frente ao Coliseu. Em 2004, o antigo cinema Passos Manuel reabriu como bar e sala de espectáculos. Desde 2006, há ainda o Pitch Club, que combina o bar do primeiro andar com a pista de dança do piso inferior, ao estilo dos clubs ingleses. Desde que abriu, tornou-se um dos locais da moda da noite portuense, dentro de uma gama média-alta. Por isso, há consumo obrigatório, que costuma rondar os 5-10 euros, dependendo dos DJ convidados. A estrela nacional é DJ Kitten, e o seu Cherry Bomb Club, com disco, punk e rock & roll. Aos fins-de-semana, muita gente acaba aqui a noite.
O Maus Hábitos e o Passos Manuel têm outra filosofia, sem consumo obrigatório, em que os concertos e a produção artística são o grande objectivo, e o álcool paga as contas. O primeiro localiza-se no quarto andar de um edifício que serve de parque automóvel, banal à primeira vista, mas com uma larga história. Foi construído em 1938, para receber os carros dos visitantes do Coliseu, e tinha um conceito arrojado: era um centro de serviços com barbearia, tabacaria, uma zona de banhos públicos e, diz-se, até um bordel. O Maus Hábitos ocupa o espaço dos antigos escritórios, e a sua estrutura labiríntica alberga várias exposições. Entre as 12h30 e as 15h também há almoços. Do outro lado da rua, o Passos Manuel destaca-se pela programação do seu auditório - onde cabe música, cinema, teatro e performance -, porventura a mais ousada da cidade. O projecto de António Guimarães, um veterano da noite portuense, compreende ainda o bar de apoio e uma claustrofóbica cave/discoteca, um dos portos seguros da boémia na Invicta.
E, para algo completamente diferente, por que não um corte de cabelo? Os Anjos Urbanos (localizados na loja de entrada do Centro Comercial Invictos) têm a fama de ser um dos cabeleireiros mais arrojados da cidade, mas só levam a experiência até onde o cliente o desejar. Neste salão, frequentado por pessoas de todas as idades, não há revistas de coração espalhadas pelas mesas, e a música anda por territórios chill-out ou étnicos. O preço dos cortes é de 25-30 euros (homens) e 30-40 euros (mulheres).
Uma rua para bons garfos
O lado mais tradicional da artéria passa, essencialmente, pela restauração. A Casa das Tortas data de meados do século XIX e está instalada no número 181 da Passos Manuel há mais de 100 anos. Os pastéis de chaves (agora também em variante vegetariana) são a grande especialidade, e podem ser apreciados num aconchegante recanto em pedra, recentemente remodelado. Nas mãos do mesmo proprietário, Amarílio Barbosa, está também, há cerca de três anos, o restaurante Escondidinho, inaugurado em 1931. A lista de antigos clientes inclui o rei Juan Carlos de Espanha ou Mário Soares, e este era um dos locais de eleição de Francisco Sá Carneiro, que tinha mesa marcada no dia da sua morte. No interior, ao estilo das velhas casas solarengas do Norte de Portugal, há um relógio de cuco com cerca de 200 anos e valiosas faianças portuguesas. As especialidades são o bacalhau à Escondidinho, a lagosta gratinada, o entrecosto grelhado e a tarte de maçã, que chegou a merecer referência no Guia Michelin. Uma refeição completa ronda, pelo menos, os 20 euros, e quem quiser encontrar uma alternativa mais barata tem o poiso perfeito no Café Santiago. Parece um snack-bar vulgar, mas está aqui uma das melhores (senão a melhor) francesinhas do Grande Porto. O Santiago data de 1940, mas a actual proprietária, Isabel Ferreira, tomou conta do café em 1981.
Também há história no Bingo Olympia, um antigo cinema inaugurado em 1912, no Ateneu Comercial do Porto, e em estabelecimentos comerciais como a Casa Figueiredo (aberta em 1926), o Armazém dos Linhos ou a Central dos Forros, uma retrosaria à moda antiga. E fiquemos com uma última nota do passado: Daniel Pires, um dos sócios do Maus Hábitos, pesquisou a história do "seu" edifício e descobriu que o circo no Porto, desde o século XIX, se fazia na parte alta da Passos Manuel. Agora, está lá o Coliseu, e, porque há coisas que nunca mudam, o circo está de volta em Dezembro."

Artigo de João Pedro Barros, in Público

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