domingo, 2 de novembro de 2008

Rua José Falcão

A segunda vida da rua que se tornou num novo centro cosmopolita do Porto

O Café Lusitano chegou primeiro e, atrás dele, vieram outros empreendedores que descobriram o potencial de uma artéria que era quase só visitada pelos clientes das livrarias.

Muita coisa mudou na Rua de José Falcão, nos últimos anos. Por exemplo, Rogério, o acordeonista cego que animava a artéria quase diariamente, faleceu no ano passado. Quisemos saber mais: na estação de camionagem, a poucos passos de onde ganhava a vida, disseram-nos que andava na casa dos 60 anos e que tocava naquela rua há mais de 30, mesmo morando longe, perto de Vila do Conde. Depois, a conversa com o funcionário foi azedando: "Está aqui no nosso horário de trabalho, sem se identificar, a tirar dados...".
Interpelamos uma das poucas moradoras da rua, que apenas confirmou que a família afixou um cartaz na esquina onde tocava, a confirmar o falecimento, a 1 de Maio de 2007. Mas também não foi possível saber o nome desta fonte: "Isso não interessa nada".
Com esta introdução, pode parecer que a Rua de José Falcão é um segredo de Estado, mas a verdade é que ela está cada vez mais popular. O marco fundamental foi a abertura do Café Lusitano (a 4 de Fevereiro de 2005), que se tornou rapidamente num dos locais predilectos para o início da noite portuense, atraindo um público cosmopolita, dos 25 aos 55 anos. Hoje, em plena explosão do regresso da noite à Baixa, o Lusitano já tem a companhia do Armazém do Chá. Esta agitação convive lado a lado com uma indústria mais tradicional, a livreira. Nos pouco mais de 200 metros desta rua, há razões para acreditar que algo de bom está a acontecer no Porto.
Pode parecer um conto de fadas, mas atrás de cada porta descobrimos algo de criativo. Por exemplo, no número 199: o edifício de aspecto neo-árabe, revestido a azulejos e que muitos na cidade já davam por perdido, é há cerca de oito meses a sede de uma empresa de têxteis, a Fortiustex, que trabalha para a gama alta de mercado. "Precisávamos de um edifício que espelhasse dinâmica, criatividade, inovação", explica o dinamarquês Lars Eckardt, director-geral da empresa. No interior, tentou-se preservar ao máximo os materiais originais deste antigo armazém-mostruário da Fábrica de Cerâmica das Devesas, datado de cerca de 1890. O espaço não está aberto ao público, mas vale a pena observar a fachada, pensada para exibir a superioridade técnica da fábrica. E este não é caso único: do lado oposto da rua, a antiga sede da Associação de Futebol do Porto deu lugar à imobiliária Paçogeste, que recuperou o imóvel e que cede algumas salas a exposições da galeria Parábola, que se concentra nos novos valores. No piso térreo, está a loja do estilista setubalense Luís Buchinho. Nas traseiras, funciona o seu atelier, há cerca de um ano. Quase em frente, um grupo francês investe na reabilitação das antigas instalações da Associação Cristã da Mocidade, onde se vai instalar a Atelier des Créateurs, uma alfaiataria dedicada à gama média-alta e que vai alimentar lojas em Paris, contou ao PÚBLICO o administrador delegado, Ricardo Conceição.
A noite começa aqui
Poder-se-ia dizer que a Rua de José Falcão brilha mais à noite, se não fossem as queixas dos comerciantes sobre a falta de iluminação (e de limpeza). Os problemas começaram depois das obras na vizinha Rua de Ceuta, já concluídas: "A luz é a dos reclames do Banco Espírito Santo, do Lusitano e a nossa", queixa-se Sérgio Ribeiro, um dos proprietários do Armazém do Chá (juntamente com Rui Miguel Silva, conhecido por DJ Tilinhos). Inaugurado em Abril, é mais um farol do novo circuito de bares portuense: do primeiro andar, pode-se espreitar a rua e beber um copo de vinho ou um chá, acompanhado de umas bolachinhas.
Entre o Lusitano e o Armazém do Chá, encontram-se algumas semelhanças, a começar pelo passado dos respectivos espaços: o primeiro era uma venda de moagens (da qual se conserva parte do que é agora o balcão); no segundo, empacotava-se chá. No presente, aos fins-de-semana, ambos têm gente à porta e dão azo a um pé de dança. Porém, os dois espaços diferem no público nocturno alvo, mais velho no Lusitano, que tem a marca gay friendly. O bar de João Madureira, decorador de interiores, e de Mário Carvalho, proprietário da discoteca Indústria, também tem uma decoração mais clássica e acolhedora, mesclando objectos de influência oriental com outros dos séculos XVII ou XVIII. O Armazém do Chá aposta mais nos eventos (jam sessions e concertos ao vivo), enquanto o Lusitano opta por um registo musical relativamente conservador.
Durante o dia, vale a pena passar os olhos pelas estantes das livrarias Leitura, de âmbito generalista, e Britânica. Esta última até pondera abrir fora de horas, para aproveitar o movimento nocturno, e já tem um pequeno recanto em jeito de galeria de arte. Em Dezembro, à entrada do Centro Comercial Lumière, abriu a Era Uma Vez..., dedicada à literatura infanto-
-juvenil. E, voltando à noite, há ainda a referir que deve surgir na rua um novo bar, nos próximos meses. "Acho que já nem há mais espaços para alugar", conta Sérgio Ribeiro. Ao que parece, há mesmo algo a acontecer por aqui.

Artigo de João Pedro Barros, in Público

1 comentário:

fio disse...

as preciosidades que eu aprendo contigo, rapaz!