domingo, 7 de dezembro de 2008

Rua do Bonjardim

" Na rua onde nasceu a francesinha, é a degradação que hoje mais ordena

Na rua do Bonjardim, há de tudo, muitas casas desabitadas e muita tristeza. Mas, numa rua onde o tempo parou, também encontramos coisas boas

A "Esta deve ser a pior rua do Porto, em termos de piso, casas e frequência." O aviso é feito pelo advogado Coutinho Ribeiro, que há quase 20 anos tem escritório montado na vizinha Rua de Fernandes Tomás, e que todos os dias percorre parte da artéria a pé. A história da Rua do Bonjardim tem muito de bas fond.
Aqui se concentram trabalhadoras do sexo e muitos dos bares de alterne e striptease da cidade. "As prostitutas são muito simpáticas, até parecem ter vergonha de existir, mas nos últimos anos são mais novas e mais agressivas, pedem cigarros ou uma moeda para comer um bolo", conta o jurista. As zaragatas são, ainda assim, ocasionais: "Fazem uma gritaria e puxam o cabelo umas às outras, mas passa depressa." Ao lado, quando o dia corre mal no Bolhão, há vendedoras com cestos de hortaliças ou meias.
O retrato é sombrio, mas é muito difícil pintá-lo de outra cor. O PÚBLICO percorreu os mais de 1,5 quilómetros do arruamento, desde a Rua de Sá da Bandeira até ao Marquês, e encontrou um universo que vai escurecendo à medida que se avança. Até às traseiras do Palácio dos Correios, a reabilitação urbana da Porto 2001 "lavou a cara" da rua, mas a partir daí quase só se vêem "pedras sujas e gastas", como canta Rui Veloso em Porto sentido. Para lá do cruzamento com a Rua de Gonçalo Cristóvão, o panorama chega a ser aterrador: parece que se sai da cidade e se entra numa aldeia desabitada, de casas em ruínas, onde sobrevivem velhas tascas com sardinhas fritas e couratos expostos nas montras e cafés onde se jogam cartas às escuras "para poupar na luz". A reabilitação urbana está a anos-luz de distância da antiga estrada de Guimarães, durante décadas uma das principais saídas da cidade.
Mas também há histórias mais alegres para contar. A mais conhecida de todas é a do nascimento da francesinha, no restaurante Regaleira, no pequeno troço da artéria que fica entre a Rua de Sá da Bandeira e a Rua do dr. Magalhães Lemos.
A autoria desta criação pode não ser tão debatida como a da Ilíada, mas aqui o Homero é Daniel David Silva, um ex-emigrante que pegou na tradição da tosta francesa (ou croque-monsieur), adicionando-lhe molho, e criando uma iguaria que rapidamente ganhou fama. Corria o ano de 1953 e um dos actuais sócios, Augusto Marinho, era então seu ajudante. Hoje, guarda consigo o segredo do molho (que é bem picante), e mantém a tradição de usar carne assada entre fatias de pão de bijou, o que lhe permite dizer que a sua francesinha é "única". Como os juízos de valor são complicados, só podemos garantir que, por ser tão purista, se trata de uma versão diferente. Augusto Marinho ironiza: "Se tivesse registado a patente, agora éramos donos do mundo."

O charme d'A Brasileira

A Regaleira é um restaurante para encher a barriga, sem grandes luxos, à imagem da rua. Porém, a poucos metros, há algo completamente diferente: o Caffé di Roma, que ocupa a "sala pequena" do antigo e centenário café A Brasileira, faz do charme a sua grande arma. Quase em frente à Regaleira, há o Rei dos Queijos, outro local onde impera a tradição.
Aberto em 1933, é actualmente um pequeno café/pastelaria que continua a ter o queijo da Serra de marca própria, feito de leite de ovelha bordaleira, como o grande expoente. Depois, há pequenas delícias como os pastéis de Tentúgal e de feijão ou queijadas. Tudo o que experimentámos mereceu aprovação. Mais sugestões gastronómicas: as bifanas da Conga e a comida regional do Ginjal do Porto e do mítico Antunes.
Mudando de assunto, falemos de mercearias finas, à imagem de outros tempos. Acima do cruzamento com Fernandes Tomás, há duas que respiram saúde: a Feira do Bacalhau (aberta desde 1925, promete "o melhor bacalhau da cidade") e o Pretinho do Japão. Para comprar livros, duas sugestões: a Livros Bonjardim, no número 398, um alfarrabista com um gigantesco armazém; para banda desenhada, há a Central Comics.
Voltemos ao lado negro, num tom humorístico: no segmento mais obscuro da rua, há uma série de estabelecimentos que disputam o título de nome mais cómico da cidade. Os candidatos são o restaurante Sai Cão, o salão Beleza Rara e o night club Ana Paula. Não entrámos em nenhum destes sítios, mas ficámos a conhecer o Pride Bar, quase junto ao Marquês. Faz parte do roteiro gay da cidade, e tem espectáculos com travestis, strip-tease ocasional e pista de dança. É um dos locais da cidade com as portas abertar até mais tarde.
Descendo um pouco, até ao número 1254, encontra-se um belíssimo palacete abandonado, engolido pelas silvas, e mesmo em frente à Rua do Paraíso há um fontanário em pedra, a Fonte de Villa Parda, que data de 1859 e está agora sem água.
São duas belas metáforas de uma rua marcada em quase toda a sua extensão por "polidores de esquinas", reformados em passeio higiénico, cafés onde gente sem trabalho beberica um fino a meio da tarde. Em muitos momentos, parece que aqui se parou no tempo."

Artigo de João Pedro Barros, in Público

De facto esta rua será provavelmente das que mais estranheza causará a quem percorre a cidade. Como é dito no artigo, apesar de ser bastante longa, funciona por pedaços descontínuos que fazem com que perdamos a noção de rua no seu todo.
Não posso deixar de acrescentar que a meio desta rua, algures entre o Marquês e a Trindade, em local semi-esncondido fica um restaurante bem simpático do qual já tenho bastantes saudades, a Taberna D. Castro,vale a pena!

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