domingo, 15 de março de 2009

Rua de Cedofeita

Numa rua de comércio tradicional, também há ofertas alternativas

Há lojas que pararam no tempo, mas a Jo-Jo's investe e vai ter em Maio um auditório com showcases. Visitar o Centro Comercial de Cedofeita dá direito a conhecer o "lado b" do Porto

A 9 de Julho de 1832, as tropas liberais de D. Pedro entraram no Porto pela Rua de Cedofeita, dando início a um período de mais de um ano de cerco da cidade pelas forças absolutistas de D. Miguel. D. Pedro começou por estabelecer o seu quartel-general no Palácio das Carrancas (agora Museu de Soares dos Reis), mas, para evitar o fogo dos miguelistas (a partir de Gaia), teve de se refugiar num edifício da... Rua de Cedofeita. O histórico imóvel, entre os números 393 e 399, ainda está de pé, e foi recentemente restaurado. No século XXI, naquele que é considerado o segundo arruamento comercial do Porto (a seguir à Rua de Santa Catarina), não há nenhuma guerra civil, mas há baixas entre o comércio tradicional. Em compensação, surgem novos negócios, alguns deles com cariz alternativo.
Há anos que um projecto de cobertura para a rua, do arquitecto Germano de Castro Pinheiro, é discutido, mas não sai do papel. "Não tem havido grande renovação" reconhece Jorge Coelho, da Casa dos Forros. O estabelecimento, há 42 anos no local, é um dos que tentam acompanhar novas tendências e vende agora alguns elementos de retrosaria mais modernos. Porém, não vale a pena pintar um cenário negro, porque há mais casas que acompanham o ritmo dos tempos e se dirigem a públicos mais específicos: por exemplo, a loja de roupa Me Allegro, orientada para as classes alta e média-alta, com cinco pisos de marcas de prestígio. Para o sexo feminino, o pronto-a-vestir Flagra, já fora da zona pedonal, representa uma alternativa à massificação dos centros comerciais. Bem mais antigas são a Antiqualha, fundada em 1923, que se dedica ao restauro e comércio de antiguidades (especialmente em madeira), e a Vilarinha, no ramo do mobiliário artístico e antiguidades desde 1876.
Um dos ex-líbris da artéria é a Jo-Jo's, uma loja de discos que começou por se localizar no Centro Comercial de Cedofeita (CCC), no final da década de 70, mas que funciona desde 1999 num edifício tradicional do século passado. O seu proprietário, António Ribeiro, nunca "dormiu em serviço". Hoje, a facturação vem primordialmente da loja on-line cdgo.com (com mais de 800.000 títulos), mas o espaço físico vai ganhar, em Maio, mais um andar, com vinil, CD usados, livros (não só de música, mas também best-sellers e obras de Direito), merchandising e um auditório para showcases. Foi a música alternativa/independente a "dar nome" à casa, mas a selecção é ecléctica: "Temos desde a Floribella ao John Cage", brinca António Ribeiro.
Já que falámos no CCC, façamos uma viagem até este centro comercial da "primeira geração", contemporâneo do Brasília. A partir dos anos 90, o abandono foi uma dominante e o cabeleireiro de homens Luís Lourenço (que se mantém graças aos "doutores e engenheiros" que lhe são fiéis desde os tempos de estudante) é uma das testemunhas, desde 1980: viu passar "altas individualidades" para o restaurante "vizinho", o Cantinho da Teresinha, que agora tem como cartão de visita a música de baile (e as noites de fado, às quartas-feiras). Apesar do abandono, o CCC acabou por não parar no tempo e reunir alternativas para públicos minoritários: a growshop A Loja da Maria (que concentra tudo o que é necessário para fazer uma planta crescer), Lionheart e Elfic (vestuário e acessórios alternativos), Factory Tattoo Studio, Circos (artigos de malabarismo, equilíbrio, acrobacia e magia), Forever Ultra (material relativo a claques de futebol e streetwear) e a loja de roupa e acessórios das irmãs góticas Castilho, personagens míticas da zona. A Hélice é um ponto de encontro indispensável para coleccionistas, especialmente de brinquedos e de objectos ligados à política e ao futebol. Em termos de restauração, o panorama não é brilhante. Salva-se o Pimenta & Chocolate, já depois do cruzamento com a Rua de Álvares Cabral, em que a cozinha tradicional portuguesa é a base dos pratos. O ambiente é acolhedor e os preços moderados (a rondar os 15 euros por pessoa). Para refeições rápidas e cafetaria, recomendamos o VeraCruz, com uma enorme variedade de chás e cafés, que também se podem levar ao quilo para casa.
Na noite, a Rua de Cedofeita não é um grande centro. Apenas há a referir o Altar, café-concerto que surgiu em Janeiro de 2008, e cujo programa inclui reggae às terças--feiras, música pimba às quartas e rock dos anos 70 e 80 às quintas. Aos sábados à noite, há concertos e os domingos são ocasionalmente reservados a matinés hardcore-punk."

Artigo de João Pedro Barros, in Público

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