domingo, 8 de março de 2009

Rua do Breyner

"Aqui há cosmopolitismo, mesmo que seja preciso olhar duas vezes


O Breyner 85, projecto a meio caminho entre um clube ao estilo inglês e uma academia cultural, é a nova estrela de uma rua que parece ter despertado da letargia


No início da década, a Rua do Breyner parecia votada ao abandono e a uma atmosfera sombria e semi-industrial. Mesmo quando a paralela Miguel Bombarda se tornou um viveiro de galerias, o arruamento continuou ensimesmado, como uma espécie de parente pobre. Nos últimos dois anos, as coisas têm vindo a mudar, com novos habitantes e alguns investimentos diversificados, de tal forma que um olhar atento revela um inesperado cosmopolitismo. Até uma residência para idosos do grupo Montepio reconverteu uma antiga unidade fabril.

Quando divagávamos pela rua, uma conversa em português com forte sotaque italiano chamou-nos a atenção. Ficámos a conhecer o maquetista de arquitectura Alvaro Negrello, natural de Locarno, na Suíça de língua oficial italiana. No Porto desde 1993, Negrello tem clientes como Alcino Soutinho, Álvaro Siza Vieira e Eduardo Souto Moura e internacionais como David Chipperfield e Frank Gehry. O suíço, que tem atelier e residência no mesmo edifício, diz que a rua tem mudado muito. "Noutras cidades europeias, casas como estas custam milhões e aqui ainda é possível comprá-las a um preço acessível. Só agora é que muita gente se está a aperceber disso", conta. A sua casa, com 110 anos, tem um extenso logradouro, uma característica típica da rua, que também está presente no edifício Breyner, uma nova construção topo de gama já em comercialização. Ao apreciar as obras, o PÚBLICO foi de imediato abordado por um mediador imobiliário, que nos disse que "todos os jovens" querem agora morar na Baixa. Duas das habitações já estão vendidas e os preços não são brincadeira: entre 250.000 e 430.000 euros.

Passemos ao cerne do artigo: aquilo que, de facto, se pode fazer aqui. E, neste campo, o Breyner 85 (a meio caminho entre um clube ao estilo inglês, onde todos os dias acontece qualquer coisa, e uma academia cultural) é a grande novidade. Para já, o corpo docente está virado para a música, mas o leque de oferta formativa deverá ser alargado às artes dramáticas e à dança. Aqui pode-se aprender, criar, mostrar e editar e, para tal, há um estúdio de gravação no piso inferior e várias salas de ensaios. Para o visitante ocasional, a componente de bar/espectáculos será a mais interessante: no piso térreo há uma cafetaria, cuja decoração traz à memória o período entre os séculos XIX e XX (a casa data de 1906); no piso superior está o café-concerto, com um pequeno mas bem equipado palco; nas traseiras, o logradouro funcionará, no Verão, como esplanada e já lá está instalado um palco. O Breyner 85 estará aberto todos os dias, das 10h às 2h, e exigiu um investimento de cerca de um milhão de euros.

Mais à frente está o British Council, cuja missão é difundir o conhecimento da língua inglesa. Para lá dos diferentes cursos e exames que se realizam aqui, há um grupo de leitura que se reúne uma vez por mês para conversar sobre uma obra em inglês (a entrada é gratuita). Para uma artéria que parece anónima à primeira vista não estamos mal, mas há mais (e vamos ter de passar para o modo telegráfico). Já perto do Largo da Maternidade de Júlio Dinis está o restaurante vegetariano Nakité, cujas especialidades são a francesinha vegetariana, as lasanhas e os cogumelos Portobello salteados. Ao almoço, há um menu por 4,90 euros: sopa, entrada, pão e café. No número 43 está a Takechance; loja de roupas de marca de segunda mão. Do outro lado, o atelier de conservação e restauro Cotonete & Bisturi especializou-se em pintura sobre tela, escultura, talha e cerâmica.

A rua onde funcionaram o Instituto Industrial do Porto (actual ISEP) e a Faculdade de Letras da Universidade do Porto deve o seu nome a Pedro de Mello Breyner, que, na segunda metade do século XVIII, desempenhou diversos cargos públicos. Morreu em 1828, encarcerado pelos miguelistas. Não foi a tempo de assistir à vitória dos liberais, mas hoje, na "sua" rua, não há dúvida de que triunfaram as "tropas" progressistas."


Artigo de João Pedro Barros, in Público

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