sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Rua do Rosário

"O local onde o comércio tradicional convive pacificamente com propostas alternativas

Pode ver-se uma drogaria ou uma mercearia ao lado de uma casa de artigos japoneses e de uma loja de produtos biológicos. A variedade é apreciada por todos.

Até aos anos 80, período em que se acentuou a desertificação da Baixa do Porto, o perfil da Rua do Rosário era eminentemente residencial. Disso mesmo se lembra Fernando Ribeiro, hoje com 77 anos, 44 deles passados atrás do balcão da Drogaria Marília: "Antigamente, toda a gente queria um andar aqui e não conseguia. Hoje não faltam casas abandonadas", descreve. Porém, na presente década, têm vindo a surgir novos negócios nesta transversal da Rua Miguel Bombarda (a artéria das galerias de arte), maioritariamente conduzidos por jovens e com um espírito tendencialmente alternativo. O comércio tradicional (a mercearia, o sapateiro, a peixaria) que resistiu ao decréscimo populacional e à concorrência das grandes superfícies mantém uma relação de proximidade como os recentes vizinhos. "Espero que esta convivência não se perca, que seja esse o dinamismo futuro da rua", diz Ana Rita Cameira, do Muuda, um espaço multidisciplinar que se rege pelo tríptico arte, sabores e design.
Comecemos por aqui a nossa viagem. No Muuda há exposições de arte (até 28 de Fevereiro, André Magalhães expõe 315 desenhos A4), refeições (para grupos, através de reserva), workshops (no dia 18, a partir das 20h, há um de sushi), peças de estilistas como Nuno Baltazar e Katty Xiomara e diversas iniciativas. Uma delas é o Muuda de Mãos, destinada a quem quer vender artigos em segunda mão. Um pouco ao lado está a primeira loja japonesa da cidade, a Kuri Kuri (significa "que amoroso"). Quando abriu, em Novembro, circulava entre a vizinhança que era um sítio onde "se botavam cartas", mas, apesar da diversidade da oferta, não há aqui nada de místico. Há, isso sim, artigos para pessoas dos "oito aos 80 anos", como diz Ana Cancela, a proprietária: roupa, livros sobre sushi, papel para origami (a arte de dobrar papel), refrigerantes e cervejas, doces típicos e alguma manga (banda desenhada nipónica).
No número 177 temos o Quintal, uma loja e mercearia de produtos biológicos. O estabelecimento, onde já se vendem produtos de homeopatia, naturopatia, cosmética natural (sem químicos) e limpeza, vai ter frutas e legumes a breve prazo. Nas traseiras, há um agradável salão de chá e uma esplanada. Quem quiser conhecer este estilo de vida tem ao dispor revistas, livros e workshops regulares. Para outras leituras, desloque-se ao Gato Vadio, uma livraria com destaque para poesia, filosofia ou teatro que também é café-bar e local de eventos e sessões de cinema. Se politicamente se situa à direita, não chegue nem perto.
Na rua, também há um conjunto de lojas dedicadas a antiguidades e decoração. A mais recente, de Ana Gisela Cerqueira, é dedicada ao mobiliário dos anos 20 e 50 do século XX e à pintura contemporânea. Na Pedaços de Arte e na Né Arts desenvolvem-se projectos de interiores, algo que também acontece na FMO, loja/atelier de Fernando Marques de Oliveira, que dá ainda destaque às antiguidades e aos tecidos e papéis de parede. No número 147 está o atelier e show-room do Cirurgias Urbanas, empresa ligada à arquitectura, arboricultura, paisagismo e mobiliário.

Refeições em conta

O próximo parágrafo é dedicado à comida. Podemos começar por recomendar o Café Célia, no cruzamento com a Rua Miguel Bombarda: os pratos são bons e baratos (a partir dos 3 euros) e a decoração não deixa de ser cuidada (Roy Lichtenstein, Andy Warhol ou Keith Haring são presença nas paredes). O arroz de pato e a tarte alemã, para sobremesa, são os destaques. O Zé de Braga, uma casa familiar e centenária, onde um almoço completo pode rondar os cinco euros, é uma alternativa. Para algo mais sofisticado, temos o restaurante/bar/galeria de arte 110. Abre de manhã, disponibiliza menus completos ao almoço (por 7,5 euros) e vai até ao jantar, em que se servem tapas com base na cozinha portuguesa (exemplos: polvo com molho verde, rojões e costeletinhas de porco preto). Falemos também de potenciais pechinchas noutras áreas: na Just Girl há vestuário feminino entre 3,5 e 12,5 euros, dada a rebaixa por motivo de obras; no número 141, no segundo andar, há um stock off de decoração; na Momenti Rari, há prendas para convidados de comunhões, casamentos e baptizados, entre um e cinco euros.
Já perto do Hospital de Santo António fica a sede do Cineclube do Porto, com o seu museu e biblioteca de arte cinematográfica. O edifício tem uma longa história: aí esteve instalado o Hotel do Louvre, uma unidade de luxo que recebeu, em 1872, o Imperador do Brasil, D. Pedro II. Ainda no século XIX, albergou uma das primeiras clínicas particulares da cidade. Uma placa assinala um assalto da PIDE, polícia política do Estado Novo, à então sede da organização oposicionista MUD (Movimento de Unidade Democrática), em 1946. Estas são histórias do passado, mas no presente nem tudo é renovação: o estilista Pedro Mourão encerrou o seu atelier/loja na rua, porque "para comércio ela não dá". Os criadores que se mantêm ali vão indicar para que lado pende o futuro da rua."

Artigo de João Pedro Barros, in Público

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