segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Travessa de Cedofeita

"A ruela esquecida da Baixa que se tornou num novo centro nocturno do Porto

Se ainda não ouviu falar do 77, é provável que não saia à noite no Porto. O café revolucionou a Travessa de Cedofeita, onde também está a Casa de Ló, sucessora da Casa Margaridense

À primeira vista, não há nada de particularmente recomendável na Travessa de Cedofeita, que liga a Rua de Cedofeita ao Largo Alberto Pimentel: o arruamento é estreito e sombrio, o empedrado está gasto, os passeios são irregulares e as paredes estão pejadas de graffiti anárquicos e outras pinturas. No entanto, com um olhar mais atento, é possível descobrir várias pérolas no arruamento. Ironicamente, pode começar-se pelas paredes: a sua análise pode dar origem a um verdadeiro estudo de semiótica (a disciplina que estuda a significação). E não é que encontramos mesmo uma análise na Internet? O texto, da autoria de António Preto, fala numa "exposição colectiva", repleta de sinais contestários. A título de exemplo, aqui fica uma das mensagens: "Procura-se/ Outro/ Ronaldo/ Templário/ Urrando/ Golos/ Acalmando/ Lobbies". Juntando as iniciais, lê-se "Portugal".
Porém, aquilo que mais transformou a travessa nos últimos dois anos foi um café que, à primeira vista, também passaria despercebido. À porta do Espaço 77, em qualquer noite de quinta-feira a sábado, concentram-se pequenas multidões (na rua passam poucos automóveis), geralmente com uma bebida na mão. Aqui há cervejas "minis" a 50 cêntimos, shots a um euro, baldes de cerveja de diferentes tamanhos entre um e quatro euros, panikes entre 90 cêntimos e 1,5 euros. A esplanada que os proprietários resolveram abrir nas traseiras, mesmo a tempo da entrada em vigor da Lei do Tabaco, também foi um golpe certeiro, e o Espaço 77 transformou-se numa espécie de "lado b" do Piolho, na Praça de Parada Leitão.
Mesmo ao lado do 77, a Casa de Ló é a mais recente novidade da artéria. Surgiu no espaço da mítica Casa Margaridense (fundada em 1880 e encerrada em 2007), famosa pelo seu pão-de-ló, marmelada e geleias, e juntou a componente de café-bar à venda destas iguarias (os chocolates, vinhos do Douro, livros e bolachas são uma novidade), preservando a traça original da loja. Na zona onde se confeccionavam os produtos está agora o salão de chá/bar (onde também se servem refeições ligeiras), animado por DJ convidados e concertos (o primeiro foi na sexta-feira) nas noites de fim-de-semana. Um pouco mais próximo da Rua de Cedofeita, o Mezopotamya fecha este mini-cluster com ligações à noite da Baixa. É um espaço dedicado ao döner kebab (o prato nacional turco, feito de carne assada num espeto vertical), onde a movida conforta a barriga durante a noite (está aberto todos os dias, das 19h às 2h). Aqui, é servido em duas variantes: sandes (por 2,90 euros) e rolo (3,50 euros).
Mas a Travessa de Cedofeita não é só feita de coisas novas: há habitantes mais antigos que resistem e até circulou um abaixo-assinado para tentar travar o barulho nocturno. Artur Ribeiro Taquinho, o "mais antigo adeleiro do Porto", instalado no número 46, não o assinou, porque "gosta da animação". O comerciante está há mais de 60 anos na rua (tem hoje 85 anos) e a sua história foi-nos contada pela filha Maria de Fátima Almeida e pelo genro José Carlos Almeida, agora à frente de um negócio em crise, porque as melhores peças "ficam para os leilões". Ainda assim, há mobiliário de todo o tipo e para várias bolsas no interior da loja, que é complementada pela arte sacra e decorativa de José dos Santos Galante, mesmo em frente.
Há mais. Por exemplo, a livraria Lumière, no número 64, compra e vende livros usados, mas também discos de vinil, banda desenhada e cadernetas de cromos antigos. Literatura portuguesa, história, teatro e poesia são as especialidades. A Blow Up Market é um bom local para encontrar roupas e acessórios em segunda mão. Na Goodvibes encontra-se vestuário, calçado e acessórios de cariz urbano e alternativo, de marcas como a própria Goodvibes (em exclusivo) e Gola. A Collectus é uma loja de colecções que tem sempre montras apelativas à vista, com moedas, notas, postais, selos, calendários, vinis e cartazes antigos. Uma viagem nesta artéria nunca poderia ficar completa sem referir a Love shop 68+1, na esquina com a Rua das Oliveiras. Chama-se Love shop porque a proprietária, Sónia Maia, aposta mais na vertente lúdica: aqui há lingerie comestível, artigos bondage e vibradores, mas não há filmes pornográficos. No seu lugar, estão muitos jogos de cariz erótico."

Artigo de João Pedro Barros, in Público

1 comentário:

Rogério Quintalheiro disse...

A Travessa de Cedofeita, realmente, é uma artéria, que à primeira vista, não é muito aprazível. Contudo, quando se entra nas lojas, algumas toscas, mas que lhe dão graça e encanto, encontramos tudo aquilo de que necessitamos.
A CAsa do Ló, com a sua simplicidade, é muito agradável de estar, mesmo no Inverno a tomar um chá quente no pátio, e na recente Loja Alecrim, poderemos encontrar alguns móveis recuperados, tal como alguns «miminhos» antigos.
Mas a GOODVIBES, essa sim, a minha LOJA DE ELEIÇÃO, pois lá encontro tudo aquilo que não encontro noutras lojas. Asssim, posso diferenciar-me, pela roupa que compro, das outras pessoas. GOODVIBES = SIMPATIA, BOM GOSTO, e BEM ESTAR.